O que visitar em Porto Santo, sem carro

Este artigo é dedicado a quem vai à ilha sozinho ou com outra pessoa, não quer alugar carro nem gastar muito dinheiro, gosta de fazer caminhadas e não quer ficar apenas pela praia.
Mulheres que querem começar a viajar sozinhas, passar uns dias em Porto Santo pode ser uma boa ideia. Fica a dica! Foi o que eu fiz em julho de 2024.

Antes de dar as dicas práticas para visitar Porto Santo, faço uma introdução, de modo a dar a conhecer melhor a ilha.

Nota: algumas fotografias não são minhas, ou porque não tirei ou porque ficaram uma porcaria :)

1) INTRODUÇÃO

Porto Santo é uma pequena ilha (cerca de 12 km de comprimento e cerca de 5 km de largura), de origem vulcânica. O processo vulcânico que deu origem à ilha iniciou-se há cerca de 18 milhões de anos, o que significa que Porto Santo tem o dobro da idade da ilha da Madeira. As últimas erupções terão ocorrido há cerca de 10 milhões de anos.
A maior atração é a praia. Porém, para além da praia, a ilha tem vários outros pontos de interesse, sobretudo para quem gosta de geologia. 

A história geológica e respetivo património de Porto Santo podem ser conferidos neste vídeo, que tendo já alguns anos, continua a ser um bom documentário.



 HISTÓRIA 

A ilha do Porto Santo foi descoberta em 1418, por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, um ano antes da descoberta da ilha da Madeira, quando em Portugal reinava D. João I. Pensa-se que esta descoberta terá ocorrido durante uma viagem de reconhecimento da costa marroquina, requerida pelo Infante D. Henrique.
A origem do nome da ilha não é consensual. Existem duas teorias, a primeira de carácter mais lendário, e a segunda sustentada em registos históricos. De acordo com a primeira, Zarco, aquando da sua chegada à ilha, ter-lhe-ia dado o nome por gratidão, visto ter encontrado aqui refúgio para uma terrível tempestade. Já a segunda versão, apesar de apontar para a mesma razão - uma tripulação ter encontrado porto seguro na ilha depois de uma violenta tormenta - indica ter acontecido antes, o que significa que, antes dos portugueses terem atracado na ilha, já esta tinha sido descoberta. Esta versão é sustentada pelo facto de Porto Santo já aparecer no chamado Atlas Medicis, de 1370.

O povoamento da ilha foi feito a mando do Infante D. Henrique e nela se fez a cultura de cereais, aproveitou-se o "sangue de dragão" (seiva da planta dragoeiro usada na tinturaria), promoveu-se a criação de gado e a plantação da vinha, mas a cana-de-açúcar não encontrou condições favoráveis. Contudo, viver na ilha nunca foi fácil. Por um lado, a aridez do território fez com que, por diversas vezes, houvesse escassez de alimento, o que provocou ciclicamente fome e miséria. Na década de 1940, a ilha registou mesmo a sua maior seca: 12 anos sem chuva. Por outro lado, o isolamento da ilha levou a que fosse constantemente atacada por piratas e corsários. Reza a história que em 1617, ficaram apenas 18 mulheres e 7 homens na ilha após as pilhagens. Em 1713, foi mesmo colocada em causa a continuidade do povoamento da ilha. No entanto, a coroa portuguesa impediu o seu abandono por a considerar um ponto estratégico para a soberania do país.

Os confortos modernos demoraram a chegar ao Porto Santo. Até 1954, a iluminação fez-se com candeeiros a petróleo e a rede de distribuição de água potável ao domicílio só começou nesse ano. O primeiro telefonema entre o Porto Santo e a Madeira aconteceu em 1959, ano em que também pousou o primeiro avião na ilha. Ainda hoje, a ilha não tem hospital


FAUNA E FLORA

Apesar da ilha (e ilhéus) possuir, em termos fauna, alguns aspetos interessantes, com uma espécie exclusa da ilha (de que falarei mais à frente), o que chama mais à atenção a um leigo é a falta de árvores e portanto é neste aspeto que me vou deter.
Embora a ilha nunca tenha tido florestas significativas, os dados históricos indicam que a flora original incluía dois tipos de comunidade florestal: o Zambujal e a Laurissilva do Barbusano. O Zambujal seria dominada pela oliveira-brava, pelo dragoeiro e pelo zimbreiro. Ainda é possível encontrar exemplares de oliveira-brava no Pico Branco, Pico Juliana, Pico Ana Ferreira. O zimbreiro só ocorre no Pico Branco. Os núcleos de Laurissilva do Barbusano, dominados pela barbusano, ocorreriam na vertente norte da ilha, sobretudo nos picos mais altos. Atualmente esta espécie está extinta em Porto Santo, tal como o dragoeiro (existem alguns exemplares reintroduzidos), sendo a vegetação do Porto Santo essencialmente constituída por um coberto herbáceo dominado por plantas anuais e bienais xerófilas (adaptadas a climas secos). O coberto arbóreo está reduzido a plantações de espécies de coníferas exóticas nos picos mais altos da ilha, realizadas desde 1955.

Dragoeiro: nome vem da palavra grega “drakaiano” que significa dragão, pois dizia-se que a sua seiva vermelha era sangue-de-dragão. Foi exportado sangue-de-dragão, muito apreciado na Europa pelas propriedades medicinais, como corante para tingir tecidos e ainda no fabrico de verniz para violinos. Os caules dos dragoeiros primitivos, de grandes proporções, foram usados na reparação e construção de pequenas canoas ou utensílios de uso corrente.


2) COMO CHEGAR A PORTO SANTO

A TAP e a easyJet têm voos diretos de Lisboa e do Porto. A easyJet apenas entre abril e outubro. Outra forma de chegar à ilha, mais cara e demorada, é voar até ao Funchal e aí apanhar o ferry (Lobo Marinho) para o Porto Santo. Esta viagem demora duas horas e meia. Pode ver aqui os horários do ferry. Do aeroporto para Vila Baleira fui de táxi (5,00€) e de Vila Baleira para o aeroporto fui de autocarro (1,95€).


3) QUANTOS DIAS FICAR FICAR NA ILHA DE PORTO SANTO

Se não tem intenção de alugar carro e quer conhecer os pontos principais da ilha e ainda assim fazer um pouco de praia, eu diria que o mínimo serão 4 dias. Poderá usar metade de cada dia para as visitas e a outra metade para fazer praia. Com carro, poderá visitar tudo num dia (se a ideia for apenas ver e andar) ou dois dias, mas sem carro, está dependente dos horários dos transportes públicos e precisará destes quatro dias para visitar o que é possível visitar desta forma.


4) ALOJAMENTO

A ilha está servida de vários resorts e hotéis, alguns dos quais apenas abertos de maio a outubro. Também é possível alugar casa, existindo um grupo no Facebook (aqui) que pode consultar, se essa for a sua opção. Porém, a minha proposta é sem dúvida mais barata e ficará bem servido: Centro da Juventude de Porto Santo. É uma pousada da juventude e fica a cerca de 600 metros da praia. A pousada tem quartos com casa de banho privativa, cujo preço máximo, por noite, é de 28,00€ (quarto duplo em época alta, para maiores de 31 anos) ou 20,00 € (quarto individual em época alta, para maiores de 31 anos). Pode consultar o preçário e condições aqui. Há ainda quartos individuais e duplos mais baratos, mas não têm casa de banho privativa.
A pousada tem boas instalações e uma cozinha equipada, onde pode preparar o pequeno almoço e outras refeições. Os quartos com casa de banho privativa incluem toalhas, os outros não incluem, mas é possível alugar ao dia.

NOTAS MUITO IMPORTANTES: Se quiser reservar quarto na pousada da juventude, sobretudo se pretender ir em época alta, faça-o com muita antecedência, já que não é muito grande e é bastante concorrida. Para ter uma ideia, para ir no princípio de julho, reservei na última semana de março e já não tive quarto com casa de banho privativa para a última noite.
A reserva para o Centro da Juventude é feita por telefone (291 982 607) e não nos sites de reserva de alojamento, fazendo-se o pagamento lá. Alerto para este facto porque há na ilha um hostel (cuja reserva pode ser feita em sites de reservas) com um nome semelhante.

Independentemente do alojamento que escolher, aconselho que fique em Vila Baleira. Aí não precisará de transporte para chegar à praia e estará perto dos transportes públicos.


5) TRANSPORTES

Na ilha, os transportes públicos são limitados. Contudo, é possível visitar quase todos os pontos de interesse usando-os, se tiver quatro dias e se caminhar não for um problema. Os autocarros que operam em Porto Santo são o 991 (em direção à Camacha - ver horário aqui), 992 (em direção a Serra de Fora - ver horário aqui), 993 (em direção a Campo de Cima/Lapeira - ver horário aqui), 994 (em direção à Calheta e aeroporto - ver horário aqui) e 995 (em direção ao Porto de Abrigo - ver horário aqui). 

NOTA IMPORTANTE: os horários dos autocarros têm alguma diferença no período de aulas em relação aos períodos de férias escolares. Esteja atento a isso.

Cada bilhete de autocarro custa 1,95€ (preço de 2024). Além disso, para visitar tudo o que indico é necessário usar um autocarro turístico que custa 10 € ou 12 € (dependendo da hora de saída). 
Se for em grupo de 3 ou 4 pessoas, para visitar o que é possível utilizando os autocarros públicos e o autocarro turístico, sai mais barato alugar carro, isto porque para o fazer bastará alugar 1 dia (70-80 euros), enquanto usando os transportes públicos e o autocarro turístico cada pessoa gastará 26 - 28 € e ainda tem de fazer umas valentes caminhadas (ver mais à frente).
A todos os locais que indico dá ir de carro "normal", ou pelo menos dá para aproximar, bastando depois fazer uma pequena caminhada.

Há autocarros (994) do aeroporto para Vila Baleira e vice-versa, mas são poucos os horários. Pode contar ainda (sobretudo de Vila Baleira para o aeroporto) com o autocarro que vai para a Camacha. Poderá sair numa paragem a 10 minutos a pé do aeroporto.


6) O QUE VISITAR

Indico o que pode visitar em 4 dias, sem carro. Em cada dia terá tempo para fazer várias horas de praia. Sugiro vários locais para o fazer. A sugestão de divisão dos dias está feita com um traço (------).

1. Vila Baleira
É a única cidade da ilha. Conta-se que o seu nome original era Valeira, devido ao vale da ribeira do Tanque que atravessa a localidade. Com a chegada de colonos que pronunciavam o V como B, o nome acabou por tornar-se Baleira.
É uma cidade pequena, mas simpática, onde é agradável beber um café numa das esplanadas no Largo do Pelourinho. 
No largo do Pelourinho pode ver uma matamorraestrutura quinhentista mais ou menos cilíndrica, escavada no solo para armazenamento e preservação de cereais, permitindo, desta forma, a sua ocultação aos piratas e corsários que frequentemente assaltavam a ilha. Depois de feito o buraco, normalmente no interior das habitações, as paredes eram forradas com pedra, palha e barro e coberta a sua abertura com tábuas e terra. 

Ainda no Largo do Pelourinho, há a Igreja de Nossa Senhora da Piedade que data de 1446 e cuja história é bastante atribulada. Elevada a igreja paroquial em 1500, em 1566 foi pilhada e destruída quase por completo por corsários franceses. Por esse motivo, em 1667, foi alvo de uma reconstrução total. A igreja apresenta uma fachada exterior modesta. O interior é amplo, com uma única nave, possuindo ainda a Capela Morgada, vestígio da construção inicial do século XV.  

Ainda perto, pode visitar a Casa Colombo - Museu do Porto Santo e dos Descobrimentos Portugueses (site oficial aqui). Esta casa é apontada, por tradição, como a residência de Cristóvão Colombo (1451-1506), depois de ter casado com D. Filipa Moniz Perestrelo e, como o nome indica, o museu tem como temática a história da ilha e os Descobrimentos. 

Vila Baleira - à esquerda pode-se ver uma matamorra.


2. Praia de Porto Santo
Os 9 km de areal, o mar calmo e com uma temperatura superior à da maioria das praias do continente (em média, em setembro, a água do mar ultrapassa os 23 ºC - ver aqui) e a baixa precipitação que se faz sentir (em média, chove anualmente cerca de 301 mm, muito abaixo, por exemplo, de Lisboa - 591 mm ou do Porto - 1285 mm) faz do Porto Santo um excelente local de praia. Ao contrário do que acontece com as praias do continente, cuja areia é constituída sobretudo por quartzo, aqui a areia é de origem biogénica, isto é, formada sobretudo por restos de algas e conchas. Os grãos de areia mais escuros (em pequena quantidade) provêm de rochas vulcânicas.
Apesar de existirem várias praias, o areal ser contínuo. Para quem está sem carro, as opções mais viáveis para fazer praia é junto a Vila Baleira, embora aqui, quanto a mim, não seja a melhor zona, uma vez que o areal fica muito reduzido durante a maré cheia, mas tem a vantagem de ter fácil acesso, ou a zona da Ponta da Calheta, onde a praia é maior, mas tem de ir de autocarro. Na restante extensão, terá de contar andar um pouco a pé, já que tem de atravessar o cordão de dunas.



3. Visitar a ilha no autocarro panorâmico
A minha sugestão é que faça o passeio na tarde do primeiro dia. Desta forma, ficará logo com uma ideia da ilha. O passeio custa 10-12€ por pessoa (preço de 2024) e pode obter mais informações no quiosque em Vila Baleira que fica no caminho da praia. É aí que se apanham também os autocarros públicos.
O passeio demora cerca de 2 horas e tem várias paragens:

- Ponta da Calheta, onde pode apreciar  a praia e o Ilhéu da Cal (ou Ilhéu de Baixo), que é o maior dos ilhéus que rodeiam a ilha. Até meados do séc. XX, fez-se neste ilhéu a extração de calcário que após ser trazido para Porto Santo era transformado em cal nos 15 fornos de cal aí existentes. As condições de trabalho no ilhéu eram muito más e a extração ficou marcada por diversos acidentes, o mais trágico dos quais vitimou de uma só vez 16 homens. Apesar de atualmente as minas estarem desativadas, o ilhéu está marcado pelos seus vestígios, sendo possível ver de longe a entrada das grutas subterrâneas. Hoje, o Ilhéu é uma área protegida.
Pode saber mais sobre a história do Ilhéu da Cal neste vídeo:



Os fenómenos erosivos, estão na base da separação do ilhéu da Cal da ilha do Porto Santo, que se estima terem acontecido depois da última glaciação, durante o Holocénico, há menos de 10-12 mil anos. Ao espaço marítimo entre o ilhéu e a ilha do Porto Santo deu-se nome de Boqueirão de Baixo.

Ponta da Calheta. Vê-se ao centro o ilhéu da Cal.

- Fonte da Areia, de onde se avista o ilhéu com o mesmo nome, as falésias abruptas e depósitos de areia. Aqui são dominantes os arenitos biogénicos carbonatados, com cerca de 31 mil anos, chamados eolianitos. Estes eolianitos cobrem cerca de 1/3 da ilha, mas aqui têm a sua maior expressão atingindo 40 metros de espessura. Correspondem a areias marinhas, constituídos por fragmentos de conchas de moluscos, de placas e espículas de equinodermes (por ex. ouriços do mar), algas calcárias e foraminíferos, que sofreram transporte essencialmente pelo vento desde a plataforma marinha até aos locais de deposição. Observam-se, ainda, finas camadas de calcário pouco coerente que correspondem a crostas calcárias, denominadas localmente por laginhas de cal, originadas por remobilização e encouraçamento do carbonato de cálcio, fenómeno que ainda ocorre atualmente à superfície desta formação. Os eolianitos são a rocha mãe da atual areia da Praia do Porto Santo.
A paragem não permite, mas será interessante fazer um passeio a pé pela região e descer a falésia. Se considerar voltar aqui, veja mais à frente como fazê-lo.




- Pico do Castelo, onde o miradouro oferece uma das vistas mais amplas sobre a ilha de Porto Santo.
No cume deste pico, existem vestígios de uma pequena fortaleza erguida no século XVI, para defender os habitantes contra as frequentes invasões de piratas franceses e alguns canhões. No Pico Castelo encontra-se, ainda, o busto de Schiappa de Azevedo, uma homenagem ao responsável pelos primeiros trabalhos de arborização deste monte e de Porto Santo. A técnica usada foi a de construir muretes em pedra para suporte e sustentação da pouca terra que existia na encosta para assim conseguir arborizar.

Esquema que mostra a técnica de construção de muretes para sustentação do solo.

Miradouro do Pico do Castelo


- Portela, onde, além de ter uma vista espetacular sobre a praia de Porto Santo, pode estar junto aos moinhos de vento característicos, recentemente requalificados. Na ilha havia duas tipologias de moinhos: os giratórios de madeira, como os que podemos ver na Portela, e os fixo de pedra. Segundo os registos históricos, o primeiro moinho de vento de Porto Santo foi construído em 1794, chegando a ser 34, em 1924. E aqui está talvez a razão para a ilha ser chamada de Ilha Dourada. Se alguns dizem que esse nome se deve à extensão de areia dourada, outros asseguram que inicialmente a ilha foi assim chamada devido às vastas cearas de trigo, e de outros cereais, presentes na ilha.

Portela

Entre as paragens, o autocarro passa por diversas localidades da ilha e é possível ver antigos fornos de cal e casas típicas, as "casas de salão", que se caracterizam por ter o telhado coberto com salão. Salão é uma espécie de argila ou argamassa que resultou da alteração de materiais vulcânicos submarinos e que os portossantenses utilizavam para cobrir as casas, antes da introdução da telha cerâmica. Garantiam, assim, o equilíbrio térmico dos edifícios. No verão, contribuía para manter um ambiente fresco, já que a secagem deste material abre fendas que permitem a circulação do ar, e no inverno, ao absorver a água das chuvas, a cobertura tornava-se esponjosa e impermeável. As divisórias de uma típica Casa de Salão eram feitas de cana e enchidas com palha, desperdícios de madeira ou pequenas pedras, sendo depois revistadas com cal e cimento. O chão era de terra batida.

Casa de salão. Fonte: https://visitmadeira.com

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4. Pico de Ana Ferreira
Para quem não tem carro, a melhor forma de chegar ao Pico de Ana Ferreira é apanhar o autocarro 994, em direção à Calheta e sair no cruzamento com indicação para o Pico de Ana Ferreira (peça ao motorista). Desde o cruzamento até ao Pico, demora-se cerca de 30 minutos a pé. Para ver a estrutura bastará também cerca de 30 minutos.

Segunda uma lenda popular, o nome “Pico de Ana Ferreira” deve-se à existência de uma gruta, a Gruta de Ana Ferreira, que teria servido de esconderijo à filha bastarda do rei D. João II, que ali viveu longe da vista de todos os habitantes, mas a salvo dos recorrentes ataques de piratas.

O Pico de Ana Ferreira é um relevo em forma de crista que se destaca na paisagem. Em termos geológicos corresponde a uma conduta alongada de um antigo aparelho vulcânico que a erosão subaérea já eliminou. O arrefecimento lento do magma, no interior da conduta, há cerca de 12,7-12,5 milhões de anos, deu origem a um espetacular conjunto de colunas produzidas por disjunção prismática (ou colunar) que hoje são visíveis porque as rochas encaixantes, ou seja, as rochas que estavam à volta da conduta, foram erodidas. Este conjunto de colunas prismáticas são formadas por uma rocha chamada mugearito. O mugearito é uma rocha magmática, normalmente encontrada em ilhas oceânicas e rifts continentais. Esta rocha não é exclusiva do nosso planeta. De facto, o mesmo tipo de rocha foi encontrado pela sonda Curiosity em Marte.
Talvez não encontre, mas saiba que aqui existe um caracol, Leiostyla ferraria, endémico, ou seja, exclusivo do Pico de Ana Ferreira.

Leiostyla ferraria é um pequeno caracol (3,4-3,8 mm de comprimento x 1,4 -1,6 mm de largura). Fonte: https://gdz.sub.uni-goettingen.de (foto de Robert Reuselaars)

Vista do Pico de Ana Ferreira





Para o resto do dia, faço várias sugestões:
- fazer praia na zona dos hotéis (próximo onde desceu do autocarro) ou na Ponta da Calheta. Até à Ponta da Calheta pode ir de autocarro, se for hora de algum passar, ou ir a pé. A pé, para ir desde a disjunção prismática demora cerca de 1 hora. Aí há restaurante onde pode comer.
- Fazer um passeio de barco em redor da ilha com possibilidade de fazer snorkeling. Há mais do que uma empresa a realizar estes passeios e portanto existem vários horários. Os passeios têm a duração de duas ou três horas (dependendo da empresa).
- Voltar a Vila Baleira de autocarro e aí apanhar o autocarro até à Camacha e chegar a pé até às falésia da da zona da Fonte da Areia ou do Porto das Salemas. Fará o trajeto a pé em menos de 30 minutos. No Porto das Salemas há piscinas naturais.
Se já tiver feito o passeio turístico, saberá o que mais lhe interessa.
Não aconselho acrescentar a este dia o que indico para o dia seguinte porque serão muitos quilómetros a pé (mais de 12 km).

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5. Miradouro das Flores
6. Praia do Zimbralinho
7. Morenos
8. Miradouro do Furado Norte


Para quem não tem carro, e quer visitar estes três locais, tem que ter consciência que andará cerca de 10 km, com subidas e descidas. O caminho é bom, mas tem poucas sombras. Se está disposto a isso, leve água (tem onde abastecer no percurso), o que comer, protetor solar e chapéu e conte com 5 horas (da paragem do autocarro até voltar a ela, sempre a pé). Pelo sim, pelo não, leve fato de banho e toalha.
Apanhe o autocarro 994 em direção à Calheta e peça ao motorista para parar no cruzamento mais próximo do Centro Hípico. 
A primeira parte do trajeto é feito em asfalto, depois em terra batida. O mapa mostra o percurso aproximado.


Miradouro das Flores
Do miradouro vê-se o ilhéu da Cal muito próximo, vê-se os 9 km de praia e avista-se ainda o ilhéu de Cima e o do Ferro. Se as condições atmosféricas estiverem boas, é possível ver as Ilhas Desertas e a Ilha da Madeira. É um local bonito, que compensa o caminho feito até aqui chegar, sempre a subir.
No largo do miradouro encontra-se o busto do pintor Francisco Maya (1915-1993), que viveu na Madeira e faleceu no Porto Santo, onde tinha uma casa.





Praia do Zimbralinho
A segunda paragem deste percurso é uma enseada bem funda e estreita. Para lá chegar, a parte final do caminho é bastante inclinada, mas em boas condições. Contudo, os avisos não deixam dúvidas, se houver queda de rocha, há perigo. A praia não tem areia, mas dá para tomar banho. 

Na encosta que rodeia a praia podem observar-se os melhores exemplares de lavas em almofada (arredondadas). Estas lavas são representativas das erupções submarinas, de natureza basáltica, da fase de pré-emersão da ilha.
É ainda possível observar, na descida para a baía, alteração do tipo esferoidal ou "em bola" que ocorre frequentemente em rochas de origem magmática, devido ação erosiva causada pela diferença de temperatura e em especial pela ação química da água. São também bem visíveis dois filões, um de mugearítico (rocha de origem magmática igual à que viu no Pico de Ana Ferreira), numa das arribas e outro com disjunção prismática bem desenvolvida.




Morenos
Esta formação rochosa vê-se a caminho do Miradouro do Furado Norte. Antes de lá chegar, passa-se pelo Parque de Merendas onde pode abastecer-se de água. 

A arriba costeira dos Morenos apresenta uma rede de condutas vulcânicas que originaram filões bem visíveis (e espetaculares, diga-se). Os filões evidenciam várias fases de ascensão magmática relacionadas com etapas de atividade vulcânica na ilha. Alguns filões apresentam disjunção prismática. É um dos geossítios mais emblemáticos da ilha do Porto Santo.



Miradouro do Furado Norte
Continuando pela estrada de terra batida chega-se ao miradouro de onde se vê o ilhéu do Ferro de muito perto e o ilhéu da Cal, também perto.




O meu conselho é que não programe grande coisa para o resto do dia, a não ser uma ida à praia ou algo que não implique andar muito mais. 

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9. Porto dos Frades
Com os horários dos autocarros em vigor no momento em que escrevo, ir e voltar do Porto dos Frades de autocarro só é possível no período escolar. Não foi sempre assim (quando visitei, fui e voltei de autocarro), pode ser que volte a não ser...
A pé, de Vila Baleira ao Porto dos Frades são 5,5 km. Poderá ir a pé e voltar de autocarro, ou vice-versa. Contudo tenha em atenção que mesmo de autocarro, é necessário fazer 1,5 km a pé desde a paragem do autocarro (em Serra de Fora) até ao local. Isto significa que se for fora do período escolar e se quiser ir ao Porto dos Frades sem andar 7 km a pé (5,5 km da ida + 1,5 km na volta, ou vice-versa), o meu conselho é que vá de táxi e volte de autocarro, cuja paragem mais próxima é em Serra de Fora. Veja a localização da paragem do autocarro (assinalada com o pin vermelho) e o percurso a pé, no mapa.



No litoral do Porto dos Frades é possível observar eolianitos (os arenitos biogénicos) de cor amarelo esbranquiçado. Tal como na Fonte da Areia, esta formação é constituída por areias marinhas que foram depositadas por fortes ventos sob a forma de enormes dunas. Tem formas bonitas - Fenda da D. Beija -  e é possível ver estratificação entrecruzada (as camadas sedimentares depositadas formam ângulos entre si resultando em estratos com diferentes inclinações), o que mostra ter havido variações da direção do vento. É ainda possível ver o que resta de um antigo forno de cal e de antigas salinas. Há também praia (praia do Cotrim), onde pode passar o dia.

Praia do Cotrim. Fonte: https://visitmadeira.com/pt

 



7) O QUE COMER

O Porto Santo partilha grande parte da gastronomia da Madeira. Assim, pode encontrar nos restaurantes a espetada, o peixe espada com banana, o bolo do caco, a fragateira (espécie de caldeirada), o picado (carne cortada em cubos pequenos, frita e temperada com alho e pimenta), lapas, milho frito, gaiado (peixe) seco e musse de maracujá, entre outros pratos. Também é fácil encontrar (em restaurantes ou em outro tipo de comércio) comidas mais locais. É o caso da escarpiada, que faz lembrar o bolo do caco, mas é feito com farinha de milho e não leva batata doce, capelas (um pão doce) broas de mel, rosquilhas doces ou biscoitos duros, por exemplo. E, claro, os gelados Lambecas!
No entanto, outras tradições gastronómicas são difíceis de encontrar em restaurantes (ou mesmo impossível). É o caso do uso de plantas silvestres, como os ranchões, as serralhas, os saramagos e o perrexil ou funcho-marinho na alimentação.

É fácil encontrar restaurantes na ilha e em Vila Baleira. Alguns mais distantes da cidade até oferecem transfere. Porém, nenhum em que comi (só jantei em restaurante) se pode dizer que é baratinho. Talvez haja. Bebendo cerveja e não comendo sobremesa, paguei sempre mais de 20 euros e nenhum dos restaurantes a que fui estava referenciado como caro.


Boa viagem!

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