Como viajar por conta própria sem saber inglês - com histórias e dicas

É frequente ouvir pessoas dizerem "gostava de viajar por conta própria mas não posso porque não sei inglês". Também já pensei desta forma, mas... será mesmo assim?

Apesar de ter tido a disciplina de Inglês até ao 11.º ano, de ter uma licenciatura e um mestrado, não sou, infelizmente, fluente em inglês, como já confessei na minha apresentação (aqui).
Esta situação condicionou as primeiras viagens que fiz depois da fase do "resort na praia", fase esta que passou rápido!
As minhas primeiras viagens para fora do país depois desta fase foram a Nova Iorque e, no mesmo ano, a Londres. Em Nova Iorque tinha amigos que me foram buscar ao aeroporto, me deram casa e comida e me "apresentaram" a cidade. Tudo tranquilo, portanto. A Londres fui com uma amiga, professora de Inglês. Tranquilíssimo!

A foto é do tempo das máquinas com rolo, é em papel e a qualidade da digitalização é péssima, mas o que interessa é que estive à conversa com o James Bond e ele não se importou com o meu inglês LOL.

Nos anos seguintes passei a viajar com duas amigas que sabem tanto inglês como eu... ou menos! E claro... viajar por conta própria estava fora de questão! O mais arriscado que fizemos nos dois ou três primeiros anos foi ir em excursões ou com guias em espanhol. De resto, tudo era preparado por uma agência, que nós não sabíamos inglês suficiente! Até que um dia tudo mudou e para isso contribuíram dois ou três episódios. Vamos a eles:

Episódio n.º 1

Numa excursão à Alemanha e Polónia, ficámos (eu e as duas amigas) por nossa conta à hora de almoço. Queria comer joelho de porco mas não fazia ideia como pedir nem sabia como se escrevia (ah... esqueci-me de dizer que não sei inglês nem nenhuma outra língua que não seja o português!). Foi então que entrou em ação a máxima "o gesto é tudo". Apontei para o meu joelho e grunhi! Nessa altura ainda não sabia que os animais não "falam" da mesma maneira em todos os  países e não foi à primeira que a empregada percebeu, mas depois de mais umas tentativas lá entendeu. Por azar, naquele restaurante não havia o dito joelho. Apontei então para um papel e ela escreveu o nome do prato. No restaurante seguinte mostrei o papel e o joelho de porco apareceu! Foi uma risada, toda a gente gozou comigo mas o que é certo é que comi joelho de porco na Alemanha.
Com este episódio confirmei que com um pouco de imaginação nos conseguimos fazer entender em qualquer sítio. Já tinha percebido isso uns tempos antes, quando, na Turquia, não conseguindo perceber que carne comíamos perguntámos se a carne era de méee ou de muuu. Era de méee, isto é, comíamos carneiro e não vaca!
Como será que os porcos grunhem na Alemanha?

Episódio n.º 2

Na mesma viagem, tínhamos uma tarde livre em Berlim. O guia propôs que comprássemos uma ida a a Potsdam. Teve azar. Eu e as minhas amigas dissemos que não. Sabíamos que Potsdam era relativamente perto de Berlim, havia comboio para lá, tínhamos um mapa na mão e a sorte estava do nosso lado: o autocarro que nos iria apanhar depois do almoço tinha ficado estacionado mesmo ao pé da estação de comboios. Os nossos companheiros de excursão entraram no autocarro e nós na estação. Com o mapa, uns gestos e a palavra "ticket" pedimos um bilhete de ida e volta para Potsdam. A senhora do guichet ajudou a tirar o bilhete de uma máquina automática e quando os nossos companheiros chegaram a Potsdam nós já lá estávamos, com a vantagem de os bilhetes para as três terem custado menos do que cada um deles pagou pela excursão e darem para todos os transportes em Berlim durante 24 horas.
Este episódio além de confirmar que é fácil conseguir o que queremos mesmo sem saber a língua, mostrou como podemos poupar dinheiro se não nos acomodarmos.

Episódio n.º 3

Na verdade são dois episódios, embora digam respeito a situações idênticas. Como já relatei aqui, por duas vezes ficámos apeadas em aeroportos apesar de ser suposto estar lá alguém à nossa espera. Uma das vezes, a situação foi mais stressante do que outra mas nas duas deu para perceber que havendo calma tudo se resolve.

Depois destes episódios, comecei a pensar que era possível viajar por conta própria mesmo sem saber inglês. É claro que é uma limitação não ser fluente em inglês mas não foi por isso que deixei de viajar e, sozinha ou com uma ou duas pessoas foi assim que visitei Barcelona, Madrid, Bordéus, Oslo, Paris, Marraquexe, Basel e arredores, Budapeste e Lyon; fui aos Picos da Europa, a Málaga e arredores, conheci Hong Kong e o Vietname, fiz um roteiro pelo Peru, Chile e Bolívia, viajei de carro pelo Norte de Itália, Croácia, Eslovénia, Hungria e Áustria e passei uma semana na praia na Turquia, 15 dias na China outros 15 na Albânia e 22 dias na Indonésia.
E digo mais, do que depender de mim, não voltarei a viajar de outra forma.

Deixo algumas dicas para as pessoas que pretendem viajar por conta própria mesmo sem saber inglês.

Dica 1
Tenha consciência das suas limitações e personalidade. Se não sabe línguas e é uma pessoa tímida, não é numa viagem que se vai tornar fluente em línguas e extrovertida. Antecipe possíveis cenários menos bons e pense o nível de desconforto que lhe causariam. A ideia não é que desista mesmo antes de ir. É que prepare e adapte a viagem ou a situação às suas condições. Por exemplo: se é tímido e não sabe línguas, será boa ideia fazer uma viagem à boleia pelos Estados Unidos? e contratar um guia inglês para lhe guiar a visita numa cidade? e fazer um couchsurfing em Inglaterra?
As dicas seguintes vão ajudá-lo a preparar a viagem.


Olhem eu a regatear o preço de uma peça no Vietname. Não me perguntem em que língua decorria a conversação... garanto-vos que há uma espécie de língua universal.


Dica 2
A minha experiência diz-me que é mais fácil, para quem não é fluente em inglês, viajar por conta própria em países que não têm o inglês como língua materna nem a maioria da população é fluente (ex. Irão, Vietname) do que para países de língua inglesa ou que a população é fluente (ex. Noruega, Suécia). Estranho? Não. É uma questão de igualdade. Quando ninguém sabe, tentamos todos "desenrascar", quando uma das partes sabe e a outra não, há um desequilíbrio mais difícil de ultrapassar.


Dica 3
Aproveite a nossa capacidade "inata" de entender espanhol. Há algum português (e penso que brasileiro) que não tenha pelo menos a mania que sabe espanhol?  É certo que nem sempre é verdade, mas a maioria de nós consegue pelo menos entender. Então:
- Escolha um local cuja língua oficial seja o espanhol para viajar pela primeira vez por conta própria. Há locais que surpreendentemente (ou não!) há muita gente a falar espanhol, é o caso de Nova Iorque.
- Na hora de escolher a língua das visitas guiadas, opte pelo espanhol, caso não haja em português (e infelizmente quase nunca há).


Dica 4
Na preparação das viagens aproveite as tecnologias. A maioria dos sites permite a tradução, então utilize um navegador de internet que faça a tradução para português. É o caso do Chrome. Na parte superior direita tem a possibilidade de traduzir (ver imagem).

Se não der, tente com o botão direito do rato, vai aparecer a opção de tradução para português (ver imagem). É claro que a tradução não será perfeita mas desenrasca.




Instale uma aplicação de tradução no telemóvel, por exemplo o google tradutor. Para que possa usar a aplicação em offline baixe o dicionário. O google tradutor além de traduzir o que se escreve, permite ainda traduzir um documento escrito ou algo falado, bastando para isso colocar o telemóvel sobre o que está escrito, como se fossemos tirar uma fotografia, ou falar para o aparelho, respetivamente.



Dica 5
Vá preparado. Estude o mapa do local que vai visitar e da localização dos monumentos que quer ver. Estude percursos e formas de chegar aos sítios (linha de metro, autocarro...), tenha o nome do hotel e respetiva direção sempre à mão. Em locais onde preveja maiores dificuldades tenha no telemóvel um ficheiro que possa abrir mesmo sem internet com as fotografias dos monumentos que quer visitar. Mostrando essas fotografias, qualquer local vai perceber onde pretende ir.

Dica 6
Evite confusões. Leve um papel e uma caneta e se o assunto for, por exemplo, preços ou horários, peça que escrevam. Também pode pedir que escrevam no telemóvel. O importante é que perceba bem o interlocutor.

Dica 7
Nos restaurantes, se for com outras pessoas e não souber o que estão a pedir, peçam vários pratos e dividam.

Dica 8
Descontraia. Pense que está de férias e se houver um engano, qual é o problema?  Não tenha medo de fazer "figurinhas".

Finalmente...
Se puder aprender inglês, ótimo. Se não puder, não deixe de viajar por isso. Como ouvi alguém dizer: use e abuse do inglês por gestos!

Boas viagens!

Comentários

  1. Adorei Zélia Delgado! O facto de eu falar a supracitada língua de nada me serviu quando fui a Espanha. E eu que.nem um "triste" portinhol falo. A história do joelho de porco é fabulosa mas tendo já provado a "iguaria não valia a pena o esforço. Num país onde os cães se. exprimem com um germânico" wau wau" nem imagino o som emitido pelo porco...

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  2. Nem de propósito, vi há dias numa livraria belga um comunicador universal. É um conjunto de cartões, unidos numa argola, com imagens de todo o tipo de coisas de que se possa precisar em viagem. Deve encontrar-se facilmente na Amazon pesquisando por "Icoon communicator" ou "Universal communicator". Boas viagens ;)

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    1. Boa. Eu uso aquela velha máxima de falar muito alto (não vá o caso do estrangeiro ser surdo!) e com os olhos bem abertos... para os ver melhor... :D
      Mas sim, pode ajudar.

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