Caminho português de Santiago, com a minha experiência e dicas

Fiz o caminho português de Santiago em 2015, com dois amigos (uma amiga e um amigo). Ao escrever este artigo, tenho como principal intenção partilhar a minha experiência e não a de dar informações detalhadas sobre o Caminho, que para isso existem imensos sites. Dirijo-me sobretudo a todos os que se identificam com o que descrevo em "As condições à partida". Indicarei o nosso itinerário e farei uma breve descrição do dia, sem grandes pormenores. No final, dou algumas dicas, referindo os nossos principais erros.
As fotografias escolhidas não são as que mostram as paisagens mais bonitas. Não foi esse o critério. Escolhi as que mostram os momentos mais significativos para nós.

Passaporte de peregrino devidamente carimbado.

CONDIÇÕES À PARTIDA

1) Não tenho propriamente um porte atlético. Isto é um eufemismo para dizer que tinha passado os últimos 15 anos sentada à frente de um computador, sem fazer o mínimo de exercício. A condição física dos meus colegas de aventura era um pouco melhor do que a minha, mas sem se notar muito...

2) As nossas idades variavam entre os 40 anos e os 58 anos.

3) A preparação física que fizemos para esta aventura resumiu-se a umas três ou quatro caminhadas de uns 5 km cada.

4) Meti na cabeça que sairíamos do Porto e não dei grandes hipóteses aos meus colegas de me contrariarem (LOL).

5) Tínhamos disponíveis 12 dias mas, como somos de Odemira, três dias seriam gastos na ida e na volta, o que significava que, para fazer o Caminho, teríamos 9 dias. Como o tempo não podia, por questões profissionais minhas, ser distendido em situação alguma, tivemos de ajustar as etapas (pelo que vimos na altura, este percurso é habitualmente feito em 10 etapas).

6) Não me propus a fazer o Caminho por fé ou espiritualidade. Foi mesmo a aventura e o desafio que me moveram.

7) Não teríamos carro de apoio, o que significou carregar na mochila tudo o que necessitávamos para os 10 dias (os 9 de caminhada mais o dia da volta).

8) Fomos nos últimos dias de Julho, com muito calor.

9) Propusemo-nos a partilhar quarto mas a ficar em pensões/residenciais/alojamentos locais, de preferência com pequeno almoço incluído, e não em albergues de peregrinos, que implicaria levarmos saco-cama e toalhas e arranjar sítio para comer de manhã. Em relação às refeições, tínhamos combinado almoçar e jantar em restaurantes.

10) Apesar de estarmos entusiasmados e empenhados em ir até ao fim a pé, não estávamos absolutamente certos de o conseguir. Por isso, só reservámos alojamento para o primeiro dia e para o último (já em Santiago de Compostela). Isto quer dizer que estávamos focados, motivados e dispostos a sacrifícios mas não estávamos obstinados. Se não desse para continuar, não continuaríamos.

Algum tempo antes pedimos a credencial de peregrino aqui. Esta credencial vai sendo carimbada ao longo do percurso (em igrejas, cafés, alojamentos, descobrirão facilmente os locais) e tem duas funções práticas: a de dar acesso aos albergues do peregrino, caso assim pretendam, e a obtenção da "Compostela" em Santiago de Compostela. A "Compostela" é o "diploma" que comprova o término da peregrinação e só é concedida aos peregrinos que percorram pelos menos os últimos 100 km do Caminho, quando a pé ou a cavalo, ou os últimos 200 km, se forem de bicicleta.

Feito este preâmbulo, percebem quem nós éramos e perceberão as minhas dicas.  Deixo o itinerário e, de forma muito resumida, o que aconteceu em cada dia.


DIA 0 

Odemira - Porto (Gaia)

Saímos de Odemira depois do trabalho. Jantámos bem em Gaia e aí pernoitámos.
A vida corria bem! LOL

FOTOS DO DIA
Mochila pronta para o Caminho

Era preciso jantar bem que o dia seguinte era uma incógnita LOL. Estes foram os meus companheiros.

DIA 1

Porto - Vilarinho (25 km)

Atravessámos a ponte para o Porto ainda não eram 9.00h da manhã. A aventura tinha começado!
Depois de muitas selfies chegámos à Sé do Porto. Era aqui que queríamos começar e fazer o 1.º carimbo no nosso passaporte. Entretanto começou a chover e... tivemos de começar o Caminho nas compras. Capa plástica vestida, começámos.
Vimos igrejas (não vou referir, mas no que diz respeito a igrejas, entrámos em todas!) e almoçámos numa tasquinha ainda na área do grande Porto.
A primeira parte do Caminho não é fácil. Tem de se atravessar estradas muito movimentadas e a mochila vai-se tornando um pesadelo. Parecia pesar toneladas!
Já quase a terminar a etapa passámos por uma festa de aldeia. Hora ideal para uma cervejinha e descansar um pouco. Quando chegámos alojamento já passava das 7 da tarde.
Estávamos cansados, muito cansados mesmo, mas com a sensação de missão cumprida.
O sítio onde ficámos recebeu-nos com um vinho do Porto. Parecia as Nações Unidades. Havia gente de várias partes do mundo. Todos estavam a caminho de Santiago de Compostela.
Tomámos banho (ai que bem que soube) e lavámos a roupa do dia. Jantámos num restaurante da terra e dormimos.

FOTOS DO DIA
As amigas preparadas para a grande jornada. Nem a chuva esmoreceu o nosso entusiasmo.

Agora sim, a foto oficial do início do Caminho.

Ainda não tinham passado 2 horas e eu já estava que não podia. A mochila não se vê mas vai às costas e pesava, nesta altura, toneladas.

Paragem para almoço.

A festa da aldeia é ótimo local para descansar e hidratar LOL.

A chegada a Vilarinho.

Nesta mesa estão sentadas 5 nacionalidades.

DIA 2

Vilarinho - Barcelos (24,6 km)

Já tínhamos previsto que o primeiro dia fosse duro, sobretudo para nós, que não estávamos habituados a andar, e foi. Foi difícil adormecer e mais difícil acordar. O alojamento não incluía pequeno almoço mas havia um café próximo. Acordámos cedo, tomámos o pequeno almoço no café e ainda não eram 8.30h quando nos pusemos a caminho.
A mochila continuava a pesar toneladas. Nesta altura ponderei enviar para casa, por correio, alguma coisa mais dispensável. Mas o quê?
Neste dia descobri que as dores musculares se comportam como se fossem seres vivos: ora dói aqui, ora dói ali, ora dói acolá, mas nunca no mesmo sítio!
Durante o percurso disseram-nos que havia festa em Barcelos e que dificilmente encontraríamos aí dormida. Então, após o almoço, o amigo, que andava mais depressa do que nós, resolveu adiantar-se para encontrar alojamento.
A única coisa que ele encontrou foi em Barcelinhos, do lado de cá do rio Cávado. Uma camarata num albergue de peregrinos. Sem lençóis, sem cobertores, sem toalhas, sem pequeno almoço. E nós sem saco-cama e sem toalhas! Bem, não era bem assim, afinal cada um de nós levava uma toalhinha. A minha era de bidé. Foi com essa toalha que limpei o cabelo e o corpo. Torcia-se no final. Quanto a lençol, serviu uma encharpe!
À chegada, esperava-nos um lanche de caracóis. Soube bem apreciar o rio Cávado da esplanada. Tomámos banho, lavámos a roupa e jantámos num restaurante próximo. Apesar das condições da dormida não serem as que esperávamos, dormimos bem.

FOTOS DO DIA
Nos primeiros dias, a amiga precisava de ajuda para pôr a mochila às costas.

Agora a foto oficial de início de etapa.

Ao longo do Caminho encontramos diferentes tipos de paisagem. Esta das mais bonitas.

Este local é particularmente bonito.

Outra perspetiva do mesmo sítio.

Aqui são os campos agrícolas que ladeiam o Caminho.

A chegada a Barcelinhos.

O lanche que o amigo havia encomendado.

Hora de lavar a roupa.

DIA 3

Barcelos (Barcelinhos) - Ponte de Lima (33,6 km)

Levantamo-nos bastante cedo, mal raiava o Sol. Sabíamos que este dia ia ser duro. Era o 3.º de caminhada. As dores já percorriam todos os músculos, até aqueles que não sabíamos ter. Eu acordava com a cara cada vez mais inchada sabe-se lá porquê. Contudo, estávamos animados e a primeira hora depois do pequeno almoço foi passada nas ruas de Barcelos.
À medida que fomos andando e parando para beber café, para carimbar o passaporte de peregrino ou simplesmente para descansar havia sempre alguém que nos perguntava onde terminava a nossa etapa do dia. Quando respondíamos que seria em Ponte de Lima, todos faziam uma cara esquisita. Não percebíamos porquê mas haveríamos de perceber.
À hora de almoço, entre comer numa casa de frangos assados sem sítio para sentar e procurar mais um pouco, optámos pela segunda hipótese. Era domingo e calhou-nos um restaurante onde as famílias vão depois da missa. Muita comida nos serviram! Tanta que resolvemos fazer umas sandes com a carne sobrante. Foi a nossa sorte, já perceberão porquê. Ainda no restaurante telefonámos para a pousada da juventude de Ponte de Lima a reservar quarto.
Depois de almoçar, ainda tivemos coragem para andar umas boas centenas de metros extra para ir ver uma capela... gente sem tino.
O pior veio durante a tarde.
Até aqui, as minhas dores tinham sido musculares, daquelas que sabemos passarem depois de um descanso. Mas à medida que a tarde avançava começou a doer-me os joelhos. Até parecia que as dores musculares tinham passado, tal era a intensidade das novas.
Os meus colegas estavam melhor mas não se pode dizer que estavam muito melhor. Os pés da amiga já não cabiam nas sapatilhas e os do amigo "grudavam", seja lá isso o que for.
Ao fim da tarde, o caminho não acabava nunca mais. As dores eram insuportáveis e o fim da aventura só não aconteceu porque onde estávamos não havia possibilidade de a terminar.
Quando chegámos a Ponte de Lima era praticamente noite. Eu estava de rastos e os meus colegas pouco melhor. Não houve coragem para jantar. Comemos as sandes que tínhamos feito ao almoço. Fui dormir com a sensação que no dia seguinte viria para casa.

FOTOS DO DIA
Partida de Bacelinos. Não sabíamos nós o que nos esperava neste dia.

Galo de Barcelos.


Mais um galo de Barcelos

Esta foi a última fotografia que tirei sem dores nos joelhos. Tínhamos andado 73,3 km e faltavam 171, 3 km.

Aqui ainda achava que as dores nos joelhos seriam passageiras, tal como as musculares. 

Vai tanta roupa dentro da mochila como do lado de fora.

A amiga a descansar as pernas.

Teria sabido bem tomar um banho, mas havia ainda muitos quilómetros para fazer.

Passa-se por muitas aldeolas.

Estava que não podia...

Paragem dramática já perto de Ponte de Lima. Faltavam poucos quilómetros, é certo, mas demorámos ainda duas horas a chegar. O nosso estado era lastimável.

Chegada a Ponte de Lima. O meu sorriso era para enganar as dores.

DIA 4

Ponte de Lima - Rubiães (22,1 km)

Acordei sem dores. Resolvi continuar. Fomos à farmácia fazer um avio de pomada e ligaduras para o joelho. No caminho até à farmácia já as dores tinham voltado. Mas continuei.
A partir daqui fiquei concentrada nos joelhos. Quando doíam, a dor era insuportável, quando punha pomada (e pus muiiiita!) a dor aliviava mas a cabeça não parava. Seria que estava a mascarar o mal? Estava a arranjar um problema para o resto da vida?
Neste dia, o almoço foi muito divertido. Não víamos nada onde comer, até que num lugarejo com meia dúzia de casas encontrámos uma tasca. Perguntámos se tinha alguma coisa que comêssemos. Apenas havia sandes de presunto e salada de tomate. Que fosse. Enquanto esperávamos, tudo dava para rir. Era o penso do amigo que, posto num sítio, já se encontrava noutro; era a amiga, que não bebe enquanto é dia, que pedia uma imperial.
Lá veio a comidinha e se soube bem!
A mochila já não pesava. Parecia que tinha nascido com ela às costas. Quando a tirava até já sentia falta. Não há nada que o corpo não se habitue.
A caminhada continuou e quando chegámos à entrada de Rubiães eu nem queria acreditar que tinha conseguido terminar a etapa. Estávamos os 3 parados, a ver onde procurar dormida, quando a senhora que regava o jardim nos disse que tinha quartos para alugar. Vimos e ficámos. A família era dona de um restaurante também e o assunto da comida estava resolvido.
Este foi o primeiro dia em que os meus colegas rebentaram bolhas dos dedos dos pés. Eu olhava para as manobras com uma pontinha de inveja. Preferiria ter bolhas nos pés do que dores nos joelhos, mas é assim... cada um tem o que merece....

FOTOS DO DIA
Partida de Ponto de Lima

Ponte de Lima

Paragem num sítio bem catita.

É para esquerda, amigo.

O almoço de sandes e azeitonas, o mais simples que tivemos e talvez o mais gostoso.

Os pés da amiga.

Chegada a Ribiães, depois do banho. Nunca pensei conseguir chegar aqui.

DIA 5

Rubiães - Tui (20,9 km)

Durante o pequeno-almoço, mais uma barrigada de rir. Desta vez era o amigo que tinha descoberto dotes de mágico que lhe permitia levantar um pires... pronto... talvez o café tivesse derramado um pouco e feito agarrar o pires à chávena, mas isso pouco importava. Pusemo-nos ao caminho. Parecíamos um estendal ambulante. A roupa não tinha secado completamente durante a noite e foi preciso prendê-la à mochila. É claro que perdi uma meia....
Neste dia, o almoço foi difícil. Não aparecia nada que se parecesse com um sítio onde comer. Sentámos e procurámos no fundo das mochilas um resto de bolachas que tapasse a fome. Os amigos ajeitaram os pensos nos pés, eu pus mais uma camada de pomada nos joelhos e lá fomos. Então não é que nem 1 km tínhamos percorrido e estávamos numa aldeia? Fizemos então um género de pré-lanche.
Ao chegar a Valença fomos novamente à farmácia para fazer o último abastecimento antes de entrar em Espanha. Devo dizer que, depois de Ponte de Lima, em cada terra, ir à farmácia fazia parte do programa, a par de entrar nas igrejas.
Em Tui dormimos num albergue que, não fazendo parte da rede oficial de albergues para peregrinos, se dedica especialmente a estes. Mais uma história hilariante aconteceu durante a noite, esta meteu uma confusão sobre "quem está a ressonar?".

FOTOS DO DIA
Partida de Rubiães.

O amigo a fazer magia.

A amiga a descansar as pernas.

E ainda faltam 125 km.

A última foto em Valença.

Agora quase a entrar em Espanha.

O jardim do nosso albergue, em Tui.
DIA 6

Tui - Redondela (28,4 km)

Começámos cedo a nova etapa. Durante a manhã cruzámo-nos novamente com duas jovens que tinham saído do Porto ao mesmo tempo que nós. Durante as várias etapas nunca tínhamos pernoitado no mesmo local mas o que é certo é que nos íamos vendo aqui e acolá. Neste dia achei que já chegava de sorrisos e acenos e, aproveitando a pausa para café que fazíamos no mesmo local, meti conversa com elas. Eram eslovenas.
Almoçámos em Porriño. E Santo Deus, o que nós comemos!
Quando fazia planos para o Caminho, o meu principal receio era que o percurso tivesse muitas subidas. Agora, que cá estava, o problema maior eram as descidas. É nas descidas que os joelhos mais sofrem e antes de chegar a Redondela há uma enorme. O amigo, que mais uma vez, após o almoço, ia à frente para encontrar dormida, bem tinha mandado uma mensagem a prevenir. A realidade ultrapassou tudo o que podíamos imaginar. A descida é mesmo íngreme.
À chegada a Redondela, fizemos o habitual.... ir à farmácia!
Desta vez era a amiga que já não aguentava os joanetes. Queria qualquer coisa fofinha que os protegesse. Mas a única coisa que a senhora da farmácia indicava era um género de uma película de silicone (joaneteira), a que a amiga dizia não, barafustando que aquilo parecia um preservativo e que não iria proteger o suficiente. Depois de muita insistência lá comprou a contra gosto o tal "preservativo". Então e não é que resultou? Mais uma vez se confirmou o dito "não negues à partida uma ciência que desconheces!" Só para os meus joelhos é que não havia nada!

FOTOS DO DIA
Saída de Tui.

As companheiras eslovenas. 

Vamos lá descansar mais um bocadinho.

Chegada a Redondela já prontos para jantar.

DIA 7

Redondela - San Mauro (Barro) (24,6 km)

Para fazermos o Caminho em 9 dias, era necessário fazer em 2 dias, o que habitualmente se faz em 3. Foi nesta etapa e na do dia seguinte que fizemos isso. Em vez de ficarmos em Pontevedra, onde encontrámos pela última vez e as companheiras eslovenas e outra companheira espanhola (uma miúda de 18 anos que fazia o Caminho sozinha desde Lisboa e que tinha dormido no mesmo sítio que nós no primeiro dia) sentadas numa esplanada (tive uma pontinha de inveja), ficaríamos uns quilómetro mais à frente. Elas, que eram novas, fariam o caminho em 10 dias. Nós, com idade de sermos mães delas, em 9 dias. Enfim, cada um tem o que merece!
A amiga aproveitou Pontevedra para ir à farmácia (novidade!), desta vez para ver se havia outra joaneteira! O amigo aproveitou para se adiantar e arranjar alojamento. Poucos quilómetros à frente recebemos mensagem sua. Tinha encontrado um alojamento espetacular. O entusiasmo era tanto que parecia ter encontrado um hotel de 5 estrelas! Desconfiámos, claro! Mas aproveitámos e, já que o alojamento estava assegurado, parámos para beber uma cervejinha, descansar e tirar fotos que metessem inveja ao amigo!
Chegadas ao fim da etapa percebemos o entusiasmo do amigo. Tinha encontrado sítio para dormir em que cada um teria o seu quarto. Os companheiros de Caminho foram espetaculares, mas devo confessar que ao 7.º dia ficar num quarto sozinha me soube bem.

FOTOS DO DIA
Durante o Caminho vai-se encontrando muitos vestígios (bons e maus) dos peregrinos e muitos artefactos a eles dedicados. 

A paisagem é bonita, agora que revejo as fotografias.

Aldeia espanhola, onde as pessoas me perguntavam o que tinha. Ao apontar para os joelhos, diziam umas às outras que eram as rodilhas que doiam.

Chegada a Barro.

DIA 8

San Mauro (Barro) - Padrón (37,3 km)

Hoje teríamos uma etapa dura. Eram muitos quilómetros e as coisas estavam cada vez mais difíceis. Por mais pomada que pusesse, as dores nas rodilhas (como os espanhóis dizem) já eram contínuas. Estávamos em Caldas de Reis à hora de almoço e, sabendo que havia aí uma consulta para peregrinos, resolvi ir. Atendeu-me uma médica. Expliquei-lhe por que estava ali. Viu-me os dois joelhos. Ambos tinham líquido, um mais do que o outro. Pedi-lhe comprimidos, que a pomada já não fazia efeito.
Calmamente, a médica disse-me que não valia a pena dizer-me nada, porque a única coisa que podia indicar, eu não ia fazer. Rematou dizendo que nem percebia por que razão eu tinha ido à consulta. Estive quase a explodir, mas acalmei-me e pedi para que dissesse a tal coisa... e ela disse:
- A única coisa que terá efeito nos seus joelhos é parar. Vai parar?
Olhei para ela e respondi: já andei mais de 200 km, não é agora que nem 35 km faltam que vou parar!
Respondeu-me a média:
- Vê como tinha razão. Ninguém faz o que eu indico...
Saí de lá com uns comprimidos para as dores e com a cabeça a trabalhar a 1000 à hora.
Neste dia jantámos pimentos de Padrón para fazer jus à terra.
Estava quase.

FOTOS DO DIA
Saída de Barro.

Mais uma aldeola.

Momento de descanso.

Em Caldas de Reis, a caminho do centro de saúde.

Já faltava pouco...

DIA 9

Padrón - Santiago de Compostela (24,3 km)

Acordámos com uma energia extra. Era a última etapa!
Parecíamos os três saídos de um asilo de malucos.
Doía-nos tudo, parávamos vezes sem conta, ríamos de todas as parvoíces!
E finalmente Santiago de Compostela!
Chegámos juntos. Tirámos a fotografia da praxe e fomos buscar a compostela: o certificado que comprova que fizemos o Caminho. Tive de dizer que fiz o Caminho por motivos espirituais (sempre é menos mentira do que dizer que tinha sido por motivos religiosos) mas na verdade devia ter dito que o fiz por teimosia.
Era hora de descansar, jantar calmamente, apanhar um táxi e ir para o alojamento que tínhamos reservado ainda antes de partirmos.
E dormir!

FOTOS DO DIA
Última etapa. Saída de Padrón.

Tarefa feita várias vezes durante o dia: pôr pomada.

Quando li esta frase pensei: É mesmo isto!

Mais um pouco de pomada e de descanso.

Paragem para hidratar...

CHEGADA!

O descanso dos guerreiros, em Santiago de Compostela.

DIA 10

Santiago de Compostela - Porto

De manhã visitámos a parte central da cidade e a catedral. Almoçámos e apanhámos o autocarro com destino ao Porto, onde dormimos.

FOTOS DO DIA
Santiago de Compostela.

Santiago de Compostela.

Almoço.

Última foto!

DIA 11

Porto - Odemira 

Este foi o dia da volta a casa, não sem antes passarmos pelas salinas de Rio Maior que os amigos não conheciam.
Vínhamos cheios de histórias para contar, cansados mas com a sensação de missão cumprida (e comprida). Eu vinha receosa do meu futuro em termos de joelhos...

Salinas de Rio Maior.

CONCLUSÕES
- Ao longo do tempo, as dores nos joelhos foram desvanecendo e volvidos alguns meses, tudo tinha voltado ao que era antes, o que fez com que na memória ficasse apenas as coisas boas do Caminho.
- Talvez porque a partir de certa altura estivesse mais concentrada nas dores que tinha, ou porque já vi muita coisa, apesar da paisagem do Caminho ser bonita, não posso dizer que me tenha deslumbrado.
- Tivemos momentos hilariantes, rimos muito e fizemos muitos vídeos parvos.
- Tive os melhores companheiros que podia ter tido. Estreitámos laços.
- Viemos com histórias para contar. Algumas nem conseguimos, porque ninguém ia perceber.
mas...
Antes de irem pensem se é isto que querem. Eu explico.
Andei mais do que 240 km a pé, em 9 dias. Foi um esforço grande, ainda por cima quando os joelhos cedem. Este esforço (no meu caso, imenso) não deu proveito a ninguém. Nem a mim, nem a ninguém. Não seria mais proveitoso canalizar esse esforço em benefício a alguém?
Pensem nisto antes de iniciarem o Caminho. É certo que esta reflexão só foi possível depois da experiência...
Se ainda assim, decidirem fazer o Caminho, deixo algumas dicas.


DICAS

MOCHILA
Quem se propõe a fazer o Caminho sem carro de apoio, é muito importante que pense na sua mochila. Uma mochila leve mas com o essencial para 10 dias de caminhada é um equilíbrio difícil de alcançar.

- Escolha bem a mochila. Deve ser leve, ter umas boas alças (acolchoadas), ter cinto para agarrar à cintura, ter bolsa externa para a água (para não estar sempre a abrir) e possibilidade de agarrar roupa do lado de fora (para prender a roupa que está a acabar de secar).
- Há itens que podem ser partilhados (ex. carregadores, sabão para lavar a roupa... sim... vai lavar roupa! medicamentos...). Combine com os companheiros o que poderá ser partilhado e quem leva o quê.
-  Não são precisas mais de 3 t-shirts, 4 no máximo (uma vai vestida, a outra pode não ter secado durante a noite e vai pendurada na mochila e a outra é para vestir à noite). Pode parecer estranho, mas as t-shirt de fibra para desporto revelaram-se mais adequadas do que as de algodão, isto porque secam mais rápido e não se transpira mais com elas.
- Leve dois pares de sapatos para caminhar e qualquer coisa bem confortável e largo (chinelos) para calçar à noite. Os pés precisam de ir mudando de calçado e de descansar.
- Leve colete refletor. É importante nas zonas em que se vai na berma da estrada.
- Leve meias apropriadas para caminhadas. Há à venda, nas casas de desporto, meias com um reforço na palmilha que protegem mais os pés do que as normais. Valem o investimento.
- Leve molas da roupa e detergente para a lavar.
- Leve algo que comer (umas barritas e uma lata de conserva).
- Leve a toalha mais pequena que tiver em casa (de bidé) e papel higiénico (não é preciso levar o rolo todo).
- Leve uma capa plástica que o proteja da chuva. Mesmo no Verão é possível que chova.
- Leve medicamentos para as dores (as conhecidas pomadas e analgésico em comprimido); material de desinfeção, agulha para furar bolhas e tubo protetor de bolhas ou de calos dos dedos (se não levar, saiba que existe e que as farmácias pelo caminho têm); tesoura. Se tem joanetes, saiba que há vários modelos de protetores.


OUTRAS DICAS
1- Se é para fazer, que se faça a sério, ou seja, de mochila às costas e, pelo menos, a partir do Porto. O caminho está muito bem sinalizado. Não tenha problemas.
2- Indo por conta própria e de mochilas às costas, vá com pessoas amigas (1 ou 2, 3 no máximo) que tenham ritmos e condições físicas semelhantes às suas. Se alguém tiver uma condição física melhor, ótimo. Poderá enviá-lo/a para procurar alojamento, como nós fizemos.
3- É perfeitamente viável fazer o Caminho sozinho/a.
4- Leve as coisas combinadas para que não haja surpresas nem expetativas diferentes. A jornada será dura e é bom que estejam todos em sintonia.
5- Ao longo do Caminho, vai havendo sempre locais para dormir. Os albergues de peregrinos não aceitam reservas antecipadas e para outro tipo de alojamentos também não acho fundamental fazê-lo.


Não faça o que nós fizemos
1- Se se identificou com a minha (nossa) condição física e idade, não faça o caminho em 9 dias. Faça-o em 10.
2- Não vá no pino do Verão.
3- Não almoce como nós almoçámos. Coma qualquer coisa leve e não beba álcool.

Bom Caminho!


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