Transportes- parte 2: O autocarro

O autocarro é um transporte muito utilizado por quem viaja, até para dormir, como fiz no Vietname e no Peru. Mochileiro, que é mochileiro, aproveita as viagens noturnas de "autocarro cama" para passar a noite e deslocar-se em simultâneo.
Devo dizer que no capítulo de autocarros cama, os autocarros vietnamitas batem aos pontos os peruanos. 

No Vietname e no Peru existem "sleep bus", cujos bilhetes se podem comprar pela internet. Esta foi a vista da minha "cama" no autocarro que me levou de Ninh Binh para Hue - Vietname (Foto minha).

Feito  o elogio aos autocarros cama do Vietname, vamos às histórias de hoje.
A primeira passou-se no Egipto e mostra que nem sempre menos é mais. A segunda ocorreu no Vietname e prova que o tabaco só nos traz problemas.

Comecemos pelo enquadramento:
Na altura que fui ao Egipto dava aulas num estabelecimento prisional e portanto era frequente as minhas frases começarem por "desde que estou na prisão...". Ora, numa camioneta com 50 portugueses ouvir-se um "desde que estou na prisão" criou um certo impacto... que se fez notar por uma onda de silêncio que percorreu todo o autocarro. A partir do segundo dia de excursão, eu estava apresentada! Ainda tentei reverter a situação, começando imensas frases por "desde que dou aulas na cadeia..." mas o estrago estava feito e não havia nada a fazer.
Eu era, portanto, aquela pessoa que importava ter sempre debaixo de olho (sabe-se lá que crime teria eu cometido, e se fosse uma perigosa assassina?!) e ouvir com atenção (podia ser que eu me descaísse relativamente ao crime). Também era importante ir mostrando às pessoas menos atentas, com um levantar de sobrancelha, quem era afinal a tal condenada que, sabe-se lá como, estava ali na excursão.
Pronto... talvez esteja a exagerar um "bocadinho" mas que se "ouviu um silêncio" quando disse a tal frase e que senti uma especial atenção por parte das pessoas, isso garanto que aconteceu.

Ir ao Egipto e não ver o templo Abul Simbel é como ir a Roma e não ver o Papa. Além da sua história e grandiosidade (que podem ver no vídeo que tirei do Youtube e que deixo aqui), Abul Simbel tem outro atrativo: foi deslocado da sua posição original (o processo decorreu entre 1964 e 1968), para que não ficasse submerso pelas águas de um lago que se formou em consequência da construção da barragem do Assuam.


Quando entrámos no autocarro que nos levaria a Abul Simbel, o Sol ainda não tinha nascido mas o calor já era infernal. Atravessaríamos deserto e portanto não se avizinhava uma viagem fácil. Por causa do calor? Não. Por causa do frio!
É que na ânsia de agradar aos turistas e pensando que nós vivemos em iglus (não conhecem o Alentejo, portanto), o guia conseguiu baixar tanto a temperatura do interior do autocarro que suspeitei que começaria a nevar a qualquer momento.
Assim que me sentei comecei a espirrar e a tremer de frio. Eu ia ficar doente do frio que fazia, quando no exterior estava um calor de morrer!
Quando dei por mim, estava enrolada nas cortinas do autocarro, literalmente! Já não aguentando mais, levantei-me para perguntar às restantes pessoas se não tinham frio...
... uns segundos de silêncio absoluto. Devo lembrar que eu era a tal pessoa que estava na cadeia e estes segundos foram os necessários para perceberem que eu não tinha nenhuma arma e não tinha dito "isto é um assalto"!
... e uns segundos depois...
... 50 portugueses a falar ao mesmo tempo, numa algazarra que contrastava com silêncio anterior.
E foi nessa altura que o inesperado aconteceu.
Do banco do fundo do autocarro levantou-se um militar de arma em riste! 
Nós éramos acompanhados por um militar armado e ninguém tinha dado conta. As pessoas que se sentaram na parte de trás do autocarro tinham dado por um homem deitado do último banco mas não faziam ideia de que estava armado.

Será que a minha fama de criminosa tinha chegado às autoridades?

P.S. O guia aumentou a temperatura do ar condicionado uns 10 ºC e eu não fiquei doente.
Tudo está bem quando acaba bem!

Abul Simbel (Foto minha - digitalizada)


A segunda história passou-se no último dia que estivemos no Vietname. Para evitar sermos novamente enganadas por um taxista (já tínhamos sido à chegada) e fazendo jus à nossa condição de mochileiras, eu e a minha companheira de viagem resolvemos usar o autocarro público para ir de Ho Chi Minh (Saigão) até ao aeroporto, onde apanharíamos o avião para Lisboa.
Para que nada corresse mal, no dia anterior à partida fomos à central de camionetas perguntar qual era o número do autocarro que fazia esse percurso e quanto custava o bilhete. Custava 5 dongs (na verdade acrescenta-se três zeros ao número, eram portanto 5000, o que não chega a 20 cêntimos). Não ficámos com dúvidas. O senhor até escreveu num papel.

Como ainda tínhamos uma notinha cada uma, o que é que as moças resolveram fazer?
Gastar o dinheirinho todo em qualquer coisa útil! .... e gastámos!

Resumindo, quando chegámos à paragem do autocarro, eu tinha 6 dongs e a minha amiga 7. Tudo sob controle, portanto. Daria para pagar os bilhetes e o motorista ainda ganhava gorjeta.

Chega o autocarro. Eu sou a primeira a subir as escadas, de mochila às costas, e peço "one ticket". O motorista dá-me o bilhete e diz "ten dong". Nesse momento pensei "realmente estes vietnamitas não têm jeito nenhum para o inglês, este está a baralhar os números" e retorqui "five dong". Para que não houvesse dúvidas, abri a mão, mostrando os meus 5 dedos. Five! Eis que o motorista abre as duas mãos e diz "ten"!
Vi a minha vida a andar para trás. 
Teríamos de ir levantar dinheiro, sabe Deus aonde, por causa de 20 cêntimos. 
A minha amiga, atrás de mim, ria...

Na tentativa não sei muito bem do quê (talvez de perceber quem nos estava a enganar) ainda disse: "The man in office said five dong". 
E então veio a surpresa. O motorista acena com a cabeça e diz "yes, five dong for you and five dong for the bag".
A mochila pagava bilhete!!

Abri a outra mão, a que tinha as moedinhas, e disse "no more".

A mochila que (não) pagou bilhete (Foto minha)

A conversa prolongou-se, agora já com a intervenção de outros passageiros que tentavam explicar ao motorista que nós não tínhamos mais dinheiro.
Mas no final, tudo se resolveu. Com algum desprezo, o motorista fez um gesto com o braço para nos sentarmos e deve ter pensado "estas estão armadas em turistas e nem dinheiro têm para o autocarro!"
O que ele não sabia é que tínhamos gasto a última nota em... tabaco!
A escolha do tabaco pareceu-nos óbvia, já que custava 1/4 de cá e é coisa que se arruma em qualquer cantinho da mochila...

A finalizar a viagem ainda houve outro momento... 
Apanharíamos o avião no terminal 2 do aeroporto mas toda a gente (só vietnamitas) estava a sair no terminal 1 e eu pensei que de castigo teríamos de andar quilómetros a pé. Preparávamo-nos para sair quando o motorista nos barrou com o braço e, esticando o indicador, mandou-nos sentar. Aqui já não era desprezo, era zanga. Posso adivinhar que pensou "estas pelintras nem o terminal dos voos internacionais sabem!".


Continua...
Podem ler a parte 1 desta história aqui.

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