Viagens com "pedras" - parte 4: o sal!

Dei conta agora que, ao longo do tempo, têm sido recorrentes as visitas a locais de sal, alguns dos quais espantosos, outros nem tanto, ou talvez eu não lhes tenha dado o devido valor. Um que não fez história foi o campo de sal que vi na Tunísia (nem sei o nome). A única coisa que retive é que era uma grande extensão que me parecia de lama seca, com uns muros à beira da estrada de sal. E pronto... não sei mais nada. Ainda bem que foi o primeiro "lugar de sal" que vi porque se não, ainda teria sido maior a desilusão.
Muito provavelmente não voltarei a incluir nada do género nas minhas viagens. No final deste artigo perceberão porquê.

Vou começar pelo que está perto e que conheço há mais tempo.

1) Salinas de Rio Maior (ou da Fonte da Bica)

Localmente também eram (são?) conhecidas por "marinhas de Rio Maior".
Estão a 30 km do mar, mas muito perto do local onde vivi até aos 18 anos. Como muitas vezes acontece, enquanto jovens, mal dei pela presença das salinas.

Alguns dados:
  • As salinas de Rio Maior são as únicas salinas interiores de Portugal e as únicas que se encontram em pleno funcionamento na Europa.
  • São produzidas cerca de 1700 toneladas de sal entre Maio e Setembro, quando há sol para evaporar a água.
  • A água que "alimenta" os talhos (tanques de evaporação) provém de um poço com cerca de 9 m de profundidade e é muito mais salgada do que a água do mar (dizem que cerca de 7 vezes), sendo semelhante à água do mar Morto.
  • A água salgada (salmoura) é produzida por dissolução de sal de um depósito de sal-gema formado há cerca de 195 milhões de anos e que, na zona das salinas, se encontra a 78 m de profundidade e tem cerca de 273 m de espessura.
  • A evaporação da água de cada talho ocorre em dois a seis dias, dependendo das condições meteorológicas.
  • Em 2009, as salinas eram formadas por 470 talhos (atualmente o número deve ser semelhante).

Talhos nas salinas de Rio Maior (foto minha)

O sal recolhido era guardado em pequenas casas de madeira. Hoje algumas destas casas foram adaptadas ao turismo, funcionando como pequenas lojas ou casas de petisco.

Barracas de madeira onde se guardava o sal e que agora estão aproveitadas para o turismo (foto minha)

2) Mina Wieliczka (Polónia)

Esta mina de sal-gema fica nas proximidades de Cracóvia e faz parte da maioria dos circuitos turísticos. Visitei-a em 2007.

Alguns dados

  • O depósito de sal-gema formou-se há 13,5 milhões de anos, quando as condições climáticas permitiram a evaporação da água do mar e a sedimentação do sal.
  • Escavações arqueológicas sugerem que a extração de sal já era feita no Neolítico, por evaporação de água proveniente de nascentes de água saturada de sal.
  • A exploração mineira do sal iniciou-se no séc. XIII e a mina foi sendo ampliada durante os 700 anos que esteve em funcionamento, até ao final do séc. XX (1996). Chegaram a trabalhar aqui 2000 mineiros.
  • As galerias estendem-se ao longo de cerca de 300 km, atingindo uma profundidade máxima de 327 m, em 9 níveis de galerias.
  • Os frequentes desabamentos inspiraram, ao longo do tempo, os mineiros a esculpir estátuas integralmente de sal e a criarem capelas, a maior das quais se situa a 101 m abaixo da superfície e tem 50 m de comprimento por 15 m de largura e 12 m de altura.
Estátuas de sal na mina de Wieliczka (foto minha)


Interior da mina, hoje exclusivamente dedicada ao turismo (foto minha)


A maior das salas visitáveis na mina (foto minha)

3) Salinas (Salineras) de Maras (Peru)

Soube da existência de Maras durante a preparação da viagem ao Peru. Apesar de não fazer parte da maioria dos circuitos das agências de viagens, há muitos blogues de viajantes que referem estas salinas. Fiquei com curiosidade e tudo fiz para lá ir (a viagem até lá também há-de ser relatada...).
Esta exploração fica no Vale Sagrado dos Incas e acredita-se que datem do período pré-inca (antes de 1430 dC).

À semelhança do que acontece em Rio Maior, existe aqui um depósito de sal-gema em profundidade (formado há 110 milhões de anos) que satura a água de sal. Esta água é colocada em tanques de evaporação, aqui chamados de pozos, ficando aí depositado o sal, depois da evaporação da água. Estes pozos são explorados por cerca de 200 famílias da região, geração após geração.
Mas em relação às salinas de Rio Maior, as Salineras de Maras têm algumas diferenças:
  • As salineras de Maras cobrem uma encosta de uma montanha, a mais de 3300 m de altitude (as salinas de Rio maior ficam numa zona plana de vale, a 99 m de altitude).
  • As salineras de Maras são constituídas por mais de 4000 pozos (nas salinas de Rio Maior existem 470 talhos).
  • Nas salineras de Maras não existe um poço, a água brota de uma nascente e é daí encaminhada a todos os pozos.
  • Maras é dos poucos lugares do mundo onde se produz sal rosa (em Rio Maior, todo o sal recolhido é branco). A cor do sal vai variando com a evolução da evaporação e está relacionada com os diversos minerais que possui.
  • Ao sal extraído das salineras de Maras são atribuídas propriedades benéficas para a saúde.

Salineras de Maras - Peru (foto minha)


Salineras de Maras - pode ver-se diferentes cores nos pozos (foto minha)

As minhas piores fotografias e vídeos são dos locais que mais gostei de visitar. O entusiasmo faz com os neurotransmissores circulem a uma velocidade louca no cérebro e a emoção apodera-se de mim impedindo que faça alguma coisa com jeito. Mesmo assim, partilho um dos vídeos que fiz para terem a ideia da dimensão de Maras (tirei o som porque a ideia não é ferir os vossos ouvidos).


4) Salar de Uyuni (Bolívia)

É verdadeiramente FANTÁSTICO!
Fui à Bolívia com dois objetivos: ver a Árvore de Pedra e  o Salar de Uyuni (o Valle de la Luna foi bónus). Sabia, portanto, ao que ia. Mesmo assim, o Salar de Uyuni conseguiu surpreender-me. Chegar lá não é fácil. As condições de alojamento são pouco mais que péssimas mas apesar disso, voltava a fazer tudo de novo. Vale a pena!

O Salar de Uyuni é o maior e mais elevado deserto de sal do mundo (tem mais de 12 000 quilómetros quadrados e está a 3650 m acima do nível do mar).

Um pouco da história geológica do Salar de Uyuni

Este lugar esteve duas vezes debaixo de água: há 40 mil anos, por um grande lago de água salgada e há 12 mil anos, por água resultante do derretimento glaciar. Esta água evaporou devido ao calor da atividade vulcânica e à falta de afluentes (poderão ter existido outros fatores). Quando toda esta água evaporou depositou-se o sal que agora vemos. As únicas testemunhas de passado aquático são as 32 "ilhas" formadas por corais e estromatólitos (formações rochosas originadas por ação de um tipo de bactérias) fósseis, que se podem avistar na imensidão branca.

Salar de Uyuni com uma das "ilhas" e os hexágonos característicos (Foto minha)

Nestas ilhas existem catos gigantes, alguns dos quais de espécies endémicas (que existem só aqui).

Das "ilhas" vê-se uma imensidão de branco. A "pista" escura que se observa é produzida pelo rasto dos jipes (Foto minha)


Garanto que os catos são mesmo grandes.

Vista da "ilha" do Pescado, uma das dez que podem ser visitadas (Foto minha)

Da deposição de sal que decorreu da evaporação da água formaram-se 11 camadas de sal de 2 a 10 metros de espessura cada uma. Em profundidade, entre estas camadas de sal, acumula-se água da chuva que se infiltra e que se vai transformando em salmoura. O calor do Sol provoca a evaporação desta água que tenta chegar à superfície criando pequenas fraturas que permitem ao vapor escapar e que aparecem à superfície como hexágonos.
No entanto, esta salmoura não contém apenas sal, é rica também em sais de boro, magnésio e sobretudo de lítio (Fonte: National Geographic).

Hexágonos na superfície de sal, ao pôr do sol. Na época das chuvas esta superfície cobre-se de uma fina camada de água funcionando como espelho do céu. (Foto minha)

Mais alguns dados:

  • O salar de Uyuni é tão grande que pode ser visto do Espaço (poderão ter uma ideia aqui).
  • Estima-se que contenha 10 mil milhões de toneladas de sal, sendo extraídas anualmente cerca de 25 mil toneladas (lembro que em Rio Maior são extraídas 1700 toneladas).
  • O salar de Uyuni é o maior reservatório de lítio do mundo, estimando-se que existam cerca de 100 milhões de toneladas (dá para muita bateria!), o que corresponde a pelo menos 50% de todas as reservas mundiais de lítio.
  • A grande área, o céu claro e o nivelamento excepcional da superfície (a variação de altitude em todo o salar é de menos de 1 metro) fazem do salar o local ideal para calibrar os altímetros de satélites de observação da Terra.

Eu feliz no maior deserto de sal do mundo (Foto minha)


Como dizia uma das companheiras de viagem "depois disto..."
Acrescento eu: talvez não valha a pena ir a outro "lugar de sal".

Podem ler o relato de outras viagens com "pedras" aqui (parte 1), aqui (parte 2), aqui (parte 3) e aqui (parte 5).



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