Transportes - Parte 4: O Barco

As histórias que conto aqui têm dois pontos em comum. Um é, evidentemente, a água. O outro saberão no final.

A primeira passou-se em 2001. Eu fazia parte da direção da minha escola.
Um dia chego ao gabinete da direção e os meus colegas mostravam evidentes sinais de conspiração. Aquele "ar" de sonsos não enganava ninguém. Preparavam alguma e eu era o alvo!

Depois de um ajeitar na cadeira e de um cruzar de olhar, o presidente começou o que parecia ser um discurso preparado: "Sabes Zélia, a Marinha Portuguesa vai fazer uma ação de divulgação e quer proporcionar, a um grupo de alunos, uma experiência no Navio Escola Sagres..."
Aí eu interrompi: " Uhau! deixem-se ser eu a ir!!!"
Percebi neles um misto de espanto, alívio e até desilusão. O que lhes parecia ser uma tarefa difícil, convencer-me a acompanhar os alunos, tinha sido, afinal, super fácil. 
Eu acompanharia 4 alunos (3 da minha escola e 1 da escola ao lado) nas "24 horas no Navio Escola Sagres"!

Na minha cabeça já rolava o filme! 
Marinheiros vestidos de branco, aprumados, lindos e maravilhosos (e muitos!). 
Todos os "amarelos" do navio a brilhar.  
O azul do mar e do céu no horizonte...
Seria como navegar no Barco do Amor, mas em bom!
Mal podia esperar pela hora de embarcar!

Era uma comitiva destas que eu estava à espera (Fonte: https://www.marinha.pt/)

Uns dias antes da partida foi feita uma reunião com a Marinha, os professores e os alunos e respetivos pais. A ação abrangia alunos de todo o Alentejo e, portanto, eram vários os professores que estavam nessa reunião.
À saída da reunião aproximou-se, de mim e de uma psicóloga que acompanharia também um grupo de alunos, um rapagão. Não tinha 30 anos, alto, musculado, bastante bronzeado para a época do ano, cabelo esvoaçante, peito para fora. Com um ar gingão (para não dizer gozão) lá foi dizendo "não sei se foi boa ideia vocês entrarem nesta aventura" e.. "acho que deviam comprar comprimidos para o enjoo", mais... "comigo não há problema, faço surf e estou habituado ao mar, mas vocês..."
Bom... estávamos na presença de um McNamara e não sabíamos!
A minha experiência na ida às Berlengas dizia-me que não iria enjoar, mas levava miúdos e não me apetecia armar-me em esperta... comprei os comprimidos.

No dia do embarque, as coisas não começaram como tinha sonhado. Caía uma chuva miudinha. O azul do céu e do mar já eram. Restava o resto.
À nossa espera não estava uma comitiva de belos e aprumados marinheiros. Deviam estar no navio a polir os "amarelos"...
Embarcámos.

Onde estavam os "amarelos" a brilhar?
Onde estavam os marinheiros aprumados e lindos?

Eu estava prestes a ter um ataque de nervos!
O navio (é navio e não barco, não me perguntem porquê, só sei que levei um raspanete à conta de chamar barco ao navio...) teve a sua viagem inaugural em 1938... era visível que navegava desde essa altura e que os marinheiros são bastante ciosos de coisas muito, mas mesmo muito antigas....
Rapidamente percebi que no navio, a tripulação era distribuída por 4 grupos hierárquicos:
- os marinheiros soldados
- os sargentos
- os oficiais
- o comandante.
A hierarquia vê-se ao longe, por exemplo, na roupa que vestem, nas instalações que ocupam, no aprumo e educação que demonstram.
Os marinheiros, em vez de lindos e aprumados, como eu imaginava, vestiam pouco mais que trapos sem cor (mesmo!), sapatilhas rotas, barriga de fora, barba por fazer. As instalações que ocupam são velhas, tudo com um ar nada simpático. No outro extremo temos o comandante, pessoa de fino trato, impecavelmente fardado e em cujos aposentos não me importaria  de viver.

As "24 horas no Navio Escola Sagres" transformaram-se em "24 horas de desilusão" e o filme "O Barco do Amor" tinha-se transformado em "Porcos, feios e maus".

Ah.. e o tal colega surfista?
Só o vi uma vez, pouco depois de embarcarmos. Estava à proa do navio a.... vomitar!!!

É de referir que nem eu nem a psicóloga fizemos uso dos comprimidos!

Conclusão
O Navio Escola Sagres abre muitas vezes "as portas" para ser visitado. Aproveitem se tiverem oportunidade mas não se esqueçam que "nem tudo o que luz é ouro" e que os marinheiros só se vestem a rigor para as festas.

Alunos e professor nas lides do navio (Foto minha - digitalizada)


Sargentos (penso que são) a limpar o convés (Foto minha - digitalizada)


A segunda história passou-se em 2005, em Malta.
Percebemos (eu e mais 3 amigas) que seria fácil ir de Malta à Sicília, onde existe... o vulcão Etna!
No dia previsto, estávamos no cais bem cedo. Faríamos a travessia num catamarã enorme e super moderno.
Tudo parecia perfeito: mar calmo (só com uma pequena ondulação), cadeiras confortáveis, meninas da tripulação bem maquilhadas e sorridentes (achei o sorriso um bocadinho exagerado para as 7 da manhã, mas...). Pareciam hospedeiras da classe executiva de um avião.
Sentámos.
O ar condicionado devia estar programado para temperaturas negativas... mas uma pessoa não pode querer tudo!

O barco começou a navegar (acho que este é barco e e não navio, mas não tenho a certeza) e pouco depois as meninas começaram a passar por nós com grandes guardanapos.
Comentámos que aquilo é que era um bom serviço, haveria refeição e tudo. Estávamos encantadas.

Bem, uma das minha amigas não estava assim tão encantada. Sentia uma certa má disposição. Talvez o pequeno almoço, comido à pressa, não lhe tivesse caído bem!
Espera! Mas será que o pequeno almoço não caiu bem aos 500 passageiros do catamarã?
Neste momento percebemos o sorriso forçado das meninas, os guardanapos, os sacos que existiam à frente de cada banco e a baixa temperatura. Percebemos tudo!

Eu só me lembrava da história do "Ensaio sobre a Cegueira", em que a cegueira vai apanhando cada vez mais pessoas. Era uma onda que estava prestes a chegar a nós mas não era de cegueira, era de vómito!
E há pessoas que vomitam tão alto!!
Duas horas de tormento, para não dizer de terror!

Mas pronto... as portuguesas portaram-se bem, a muito custo é certo.

A foto que deixo é do Etna. Porque é que não é do catamarã?
Eu não vomitei, mas tirar fotografias já é pedir demais, não?!


Etna (Foto minha)
Conclusão:
Se forem a Malta, pensem bem se querem ir à Sicília de catamarã.


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